Nunca antes tantos quadros do pintor holandês Johannes Vermeer estiveram juntos num mesmo espaço. Das apenas 37 obras que restam do artista, 28 estão juntas durante alguns meses para uma mostra inédita no Rijksmuseum, o Museu Real de Amsterdã.  

Até então, a única exposição consagrada ao mestre holandês aconteceu em Washington e Haia, em 1995-1996, reunindo 22 pinturas. Pela primeira vez em séculos, alguns quadros voltam à Holanda. Há empréstimos de museus europeus, americanos e até do Japão.

Os curadores Gregor J. M. Weber e Pieter Roelofs levaram oito anos para levar a cabo o projeto de uma retrospectiva dedicada a Vermeer. O empurrão veio com o empréstimo de três quadros da Frick Collection, de Nova York, por causa de fechamento temporário do estabelecimento para reformas.

“É uma oportunidade rara, pois essas obras são frágeis, as negociações de transporte, seguro e como expor esses quadros no espaço do museu são muito delicadas”, diz Felipe Martinez, professor do Masp e pesquisador de pós-doutorado do Museu de Arte Contemporânea (MAC), da USP.

Vermeer teria pintado cerca de 45 quadros em toda a sua vida, dos quais apenas 37 ainda existem, a maioria em museus e instituições ao redor do mundo. Entre eles, um se tornou célebre por sua ausência, “O Concerto”, de 1664, roubado em 1990 do museu Isabella Stewart Gardner, em Boston, nos Estados Unidos. Especialistas acreditam que seja o objeto roubado mais valioso do mundo – em 2015 foi estimado em US$ 250 milhões. Ladrões que fingiam ser policiais levaram 13 quadros na ocasião, mistério que continua sem solução até hoje.  

Um célebre desconhecido

Pouca coisa se sabe sobre Johannes Vermeer (1632-1675), além de que era um nativo de Delft, uma pequena cidade recortada de canais no oeste da Holanda. Protestante, casou-se com uma católica e talvez tenha se convertido. Registros mostram que teve mais de dez filhos, dos quais onze sobreviveram. Há ainda o inventário feito após a sua morte, com poucas posses e muitas dívidas.  

Não há cartas escritas sobre ou por Vermeer. Também não há registros de sua aparência física. Não fez autorretratos, como o conterrâneo e contemporâneo Rembrandt (1606-1669), que realizou centenas de desenhos e pinturas de si mesmo. Há suspeitas de que poderia ter se embrenhado em suas pinturas como personagem, talvez de um conviva de “A Alcoviteira”, ou como o pintor de costas em “Alegoria de Pintura”.  

Mas Vermeer passou despercebido do mundo até meados do século 19, quando o crítico francês Théophile Thoré-Burger chamou a atenção para o talento do holandês, que foi alçado ao panteão dos gênios da pintura. A partir de então, a notoriedade de Vermeer só fez aumentar, estimulando inclusive muitas falsificações, que hoje são facilmente desmascaradas pela tecnologia.

Silêncio do cotidiano

O que faz de Vermeer tão especial em uma geração de grandes pintores holandeses, como Rembrandt, Franz Hals, Jan Steen e tantos outros? “Vermeer pinta o silêncio do cotidiano”, explica o historiador holandês Kees Kaldenbach. “Ele retrata ora uma pessoa com uma jarra de leite, ora uma mulher se olhando no espelho, com um colar pérolas. Ou a quietude de uma sala onde estão um homem e uma mulher; é uma poesia rara”.

Depois de incursões iniciais por alegorias religiosas e mitologia, Vermeer achou seu nicho no dia-a-dia banal, no interior de uma casa, na domesticidade e na intimidade.

Observar um quadro de Vermeer é quase um exercício de “voyeurismo”, de espreitar pela fresta de uma porta ou por trás de uma cortina. As cenas são instantes suspensos, os personagens têm o olhar quase perdido ou pensativo. Às vezes olham diretamente para o observador.

São damas, amas, cavalheiros, em pleno ato de reflexão, escritura ou leitura de uma carta. A luz tênue vem de uma janela. Os instrumentos musicais da época, como o virginal ou a viola de gamba, são recorrentes. Os mapas das paredes nos remetem ao mundo exterior. As cartas podem ser notícias vindas de longe.  Como num jogo de pistas, os indícios convidam o observador a mergulhar num momento de silêncio e gestos suspensos.

Toda essa simbologia se alia à composição apurada, dominio da luz e busca de técnicas para destacar o brilho de um brinco, os vincos da seda e detalhes fora de foco para dar ideia de movimento.

A possível conversão ao catolicismo pode ter aproximado o curioso Vermeer de vizinhos jesuítas em Delft. Isso poderia explicar as teorias – nunca comprovadas – de que o artista teria utilizado o processo da câmera obscura para chegar a perspectivas tão precisas. O recurso era o de uma caixa escura com um furo mínimo que projetava a imagem invertida no fundo, bastando então, através de lentes e espelhos, reverter a cena e aproveitar os contornos obtidos. *RFI

“Vermeer” fica em cartaz até 4 de junho, no Rijksmuseum, em Amsterdã.

Publicidade